Milhas: Consequências para o Investidor que Vendeu para a 123milhas

Advogados fornecem orientações sobre as opções para recuperar os fundos perdidos na Hotmilhas e na Maxmilhas.

Advogados fornecem orientações sobre as opções para recuperar os fundos perdidos na Hotmilhas e na Maxmilhas.

Fabiano, com 26 anos de idade, iniciou sua incursão no mercado de milhas em 2022 após adquirir um curso online relacionado ao tema. Dado seu frequente deslocamento a trabalho e a busca por cartões de crédito que oferecessem acesso a salas VIP em aeroportos para tornar suas viagens mais confortáveis, ele mergulhou profundamente no assunto. Como um investidor em ativos de renda variável, ele descobriu uma oportunidade adicional de renda ao longo dessa jornada.

Naquele ano, ele conseguiu obter um lucro de R$ 16 mil comprando e vendendo milhas através da Hotmilhas. Como seu ganho mensal de capital estava abaixo de R$ 35 mil, essas transações ainda eram isentas de Imposto de Renda. Essa atividade parecia cada vez mais um investimento promissor, representando um complemento para sua carteira de investimentos tradicionais.

No entanto, essa trajetória do investidor foi interrompida em 18 de agosto, quando a 123milhas, o grupo proprietário da Hotmilhas e da Maxmilhas, anunciou a suspensão de pacotes e emissão de passagens promocionais. Isso foi apenas um indício do que estava por vir: um pedido de recuperação judicial, protocolado na 1ª Vara Empresarial da Comarca de Belo Horizonte, Minas Gerais, na última terça-feira (29).

Fabiano, que antes era um investidor, agora se tornou um credor e está incerto se algum dia recuperará os R$ 11,7 mil que havia negociado com a Hotmilhas em troca de passagens aéreas por meio de milhas em 2023.

“Tem um impacto grande, não só na minha saúde financeira, como mental. É uma quantia elevada de dinheiro, que vai afetar meu planejamento financeiro, mas minha esperança de reverter o prejuízo é muito pequena”, desabafa, após pedir anonimato para esta reportagem – Fabiano, portanto, é fictício. “Conhecemos a impunidade desses casos envolvendo grandes empresas e sei que, no fim das contas, é sempre o lado mais fraco que arrebenta, o do consumidor.”

Ele integra uma comunidade de entusiastas de milhas, na qual, de acordo com sua descrição, há relatos de prejuízos significativamente maiores. A antecipação da venda das milhas é uma prática comum entre os membros desse grupo, na qual eles dividem o valor pago pelos pontos no cartão de crédito e os transferem para a plataforma, recebendo o pagamento integral. Agora, com os pagamentos interrompidos, eles enfrentam a necessidade de quitar as parcelas pendentes.

“Tem vários relatos de pessoas na comunidade que venderam R$ 40 mil, R$ 50 mil para a Hotmilhas. Gente que parcelou em 12 vezes no cartão de crédito e que se esse dinheiro não entrar pode não conseguir honrar os pagamentos, saindo com um prejuízo muito maior”, relata.

O que pode ser feito?

Nas redes sociais e nas comunidades de entusiastas de milhas, as reclamações e pedidos de orientação estão se multiplicando. Os investidores desejam saber se há alguma maneira de recuperar os valores perdidos, onde estariam na lista de credores no processo de recuperação judicial da 123milhas e quanto tempo levará para receberem os valores acordados.

Tiago Mackey, sócio do Dcom Advogados e líder da área de Resolução de Disputas, esclarece que, embora haja uma atividade com o objetivo de geração de renda, essas pessoas não são consideradas investidoras no sentido literal. ‘Elas negociavam milhas no mercado como intermediárias em transações de compra e venda. Seus créditos, em um processo de recuperação judicial, são equiparados aos dos consumidores’, diz.

Isso significa que seus créditos são classificados como quirografários e ficam no final da lista de prioridade de pagamento, após os credores trabalhistas e tributários, e são alguns dos últimos a receber seus pagamentos.

“Nenhum cliente com crédito gerado antes de 28 de agosto (data anterior ao pedido de recuperação judicial) pode receber individualmente. Todos devem receber de acordo com os mesmos critérios, com base em uma regra de pagamento que será definida em negociação entre a empresa e os credores”, explica Mackey. “Normalmente, essa regra inclui um período de carência para o início dos pagamentos, um prazo estendido para os pagamentos e um eventual desconto.”

A recuperação judicial (RJ) é um processo longo destinado a permitir que uma empresa com problemas financeiros se reestruture sem precisar encerrar suas operações. O primeiro passo é apresentar um plano de recuperação judicial, que deve ser debatido e aprovado pelos credores da empresa. Somente após a aprovação do plano é que começa a contar o prazo máximo de dois anos para o processo. Isso significa que, a partir de agora, pode levar ainda mais tempo para que investidores de milhas, como Fabiano, recuperem seus investimentos.

Outras opções

Existem outras opções para quem deseja buscar compensação na Justiça. É possível se habilitar diretamente no processo de recuperação judicial, com a assistência de um advogado, e buscar a restituição apenas do valor devido pela empresa. Nesses casos, não é possível pleitear danos morais, por exemplo.

Os investidores também podem optar por uma abordagem alternativa, entrando com uma ação em um juizado especial de defesa do consumidor. ‘Nesse caso, é possível solicitar danos morais, juros e correção monetária, bem como possíveis acréscimos no valor decorrentes de transações bancárias e movimentações de cartão de crédito’, explica David Oliveira, advogado do escritório Oliveira, Valente e Crisostemo Advogados Associados e criador do perfil Dr. Milhas Pro. ‘No entanto, é importante ressaltar que ingressar com uma ação na Justiça não garante necessariamente o recebimento do dinheiro.’

Entre os entusiastas de milhas, alguns estão optando por cancelar vouchers de passagens emitidos para recuperar parte das milhas negociadas e minimizar suas perdas. Legalmente, isso é considerado um comportamento inadequado, já que ‘a forma correta de buscar a execução do contrato não envolve o cancelamento unilateral das passagens emitidas para terceiros’, adverte Oliveira.

Segundo o advogado, mesmo que seja possível recuperar uma parte das milhas, o cancelamento das passagens pode fornecer à 123milhas argumentos para contestar o investidor em um potencial litígio judicial. “É uma tentativa de minimizar as perdas, mas legalmente o cancelamento das passagens não é apropriado. Se a pessoa ainda desejar entrar com uma ação para recuperar o restante dos valores, não há impedimento, mas a empresa pode alegar que agiu de má-fé ao cancelar parte das passagens para recuperar as milhas”, ressalta.

A decisão sobre a melhor abordagem cabe a cada investidor: esperar o desenrolar da recuperação judicial, ciente de que pode levar anos para recuperar o dinheiro; iniciar um processo judicial, com a necessidade de contratar um advogado e sem garantias de sucesso; ou tentar cancelar os vouchers para recuperar parte das milhas, mas rompendo o contrato e abrindo mão do direito de processar a 123milhas posteriormente.

Fabiano optou pelo último caminho. Sabendo dos riscos de estar cancelando viagens de terceiros, ele priorizou seu próprio interesse financeiro. Ele não acredita que será capaz de recuperar os valores por meio da justiça e, portanto, cancelou os vouchers das passagens que não incorreriam em multa pelo cancelamento. Com a recuperação das milhas, seu prejuízo foi reduzido para R$ 9 mil.