O parecer do relator prossegue para avaliação em plenário na Câmara e, se aceito, será encaminhado ao Senado. Para se tornar uma lei, requer a aprovação presidencial até o dia 28 de agosto.
À beira de sua expiração no final de agosto, a medida provisória que aborda a tributação de investimentos no exterior foi aprovada na terça-feira (8) em uma comissão mista, após ter sido incorporada à MPV do salário mínimo.
O texto, que estabelece as diretrizes para o funcionamento de trusts e a tributação de contas “offshores” mantidas por cidadãos brasileiros no exterior, trouxe uma inovação significativa: a inclusão dos criptoativos, agora considerados ativos financeiros.
Com essa mudança, as transações envolvendo criptoativos são equiparadas, em termos tributários, às operações com outros ativos financeiros, sujeitas às novas faixas de alíquotas e outras restrições estabelecidas pela nova regulamentação.
A proposta tem como objetivo compensar a perda de receita decorrente do aumento do limite de isenção do imposto de renda para pessoas físicas, que está programado para subir de R$ 1.903,98 para R$ 2.112,00. De acordo com cálculos do governo, a nova legislação poderá gerar uma arrecadação de R$ 3,25 bilhões em 2023, R$ 3,59 bilhões em 2024 e R$ 6,75 bilhões em 2025.
Entretanto, além de fortalecer a capacidade de arrecadação do governo, especialistas afirmam que a inclusão dos criptoativos foi realizada para dissuadir o uso desses ativos digitais como meio de evasão de tributos em relação a investimentos financeiros realizados no exterior.
“Por não haver uma definição clara sobre sua natureza, criptoativos poderiam ser utilizados, em princípio, para operações com empresas sediadas no exterior, burlando as restrições impostas pela Medida Provisória 1171/2023”, explica o advogado Isac Costa, sócio do Warde Advogados e professor do Ibmec. “O objetivo da emenda foi impedir uma brecha nas transações com offshores”.
“A ideia do governo é fechar essa alternativa anteriormente existente, em sintonia com os demais investimentos no exterior feitos pelas pessoas físicas via sociedades offshore, bem como esclarecer que os rendimentos gerados a partir de operações com criptoativos estarão sujeitos à tributação no Brasil ‘como se fossem aplicações financeiras’”, opina Leonardo Freitas de Moraes e Castro, sócio na área Tributária do VBD Advogados.
Transações envolvendo criptoativos em contextos internacionais são predominantemente conduzidas por investidores altamente especializados nesse setor. Isso ocorre não apenas como uma forma de minimizar encargos fiscais, mas também de diminuir despesas associadas à conformidade regulatória e à burocracia, incluindo a necessidade de realizar câmbio em intervalos regulares e emitir Documentos de Arrecadação de Receitas Federais (DARFs).
Além disso, a atual norma da Receita Federal, a Instrução Normativa 1888, não exige que empresas sediadas no exterior forneçam informações sobre suas operações envolvendo criptoativos.
Quais são as alterações relevantes para os investidores de criptoativos?
Por outro lado, ele explica que a situação é distinta para um cidadão brasileiro que possui uma empresa offshore e, dentro dessa entidade estabelecida em uma jurisdição de baixa tributação, realiza transações com criptoativos, obtendo lucros. “Nesse contexto, os lucros provenientes das atividades com criptoativos da empresa offshore estariam sujeitos à tributação no Brasil com base nas novas diretrizes, mesmo sem uma efetiva distribuição de fundos”, ele enfatiza.
Ele observa que a tributação se aplicaria não apenas às operações que resultam em vendas de criptoativos, gerando lucros efetivos, mas também nos casos em que a empresa offshore reconhece ganhos relacionados aos criptoativos — provenientes, por exemplo, de reavaliações, avaliações a valor justo e marcações a mercado. Sob essa circunstância, a empresa offshore poderia estar sujeita a uma tributação automática no Brasil.
A partir de qual data as novas regras passam a vigorar?
Diogo Olm Ferreira, advogado especializado em tributação do escritório VBSO Advogados, destaca que as mudanças no regime tributário de investimentos no exterior não estão imediatamente em vigor, pois ainda devem passar pelo processo de aprovação por meio de uma Medida Provisória (MPV), para então entrarem em efetivação a partir de 2024.
O prazo disponível é limitado: o parecer do relator da matéria, o deputado Merlong Solano (PT-PI), agora segue para análise no plenário da Câmara dos Deputados. Se aprovado, seguirá para o Senado Federal. Para ser estabelecido como lei, é necessário que o projeto seja encaminhado para a sanção presidencial até o dia 28 de agosto.
Além disso, a inclusão dos criptoativos na medida provisória pode gerar obstáculos adicionais. Mesmo se for sancionada a tempo, a nova legislação poderá enfrentar questionamentos judiciais, como alerta Castro, do escritório VBD Advogados.
“Até hoje, não há consenso sobre a natureza jurídica dos criptoativos: se são ativos financeiros, ativos intangíveis, moeda ou equivalente a moeda, meio de pagamento ou um gênero jurídico sui generis“, conta.
O Marco Legal dos Criptoativos, que entrou em vigor em julho e criou a categoria de “ativo virtual”, deixou de fora da definição a caracterização desses ativos como ativos financeiros. “Haverá, portanto, margem para discussão de competência da medida provisória”, avalia o especialista.
Além disso, existem incertezas acerca da eficácia da medida como um meio de combater a evasão fiscal.
Investidores estão cogitando aproveitar a natureza não regulamentada das criptomoedas, que operam à margem do sistema financeiro, como uma forma de esconder riqueza e evitar o pagamento de impostos. Em outras palavras, eles estariam empregando criptomoedas diretamente no exterior, sem a necessidade de estabelecer empresas offshore.
Com base no texto que será submetido à análise do plenário da Câmara, a tributação também se estenderia às carteiras digitais. No entanto, autoridades afirmam que a fiscalização de criptomoedas armazenadas nesse tipo de custódia é um desafio considerável.
De acordo com fontes consultadas pela reportagem, a prática de usar criptomoedas para evasão fiscal é frequente e amplamente empregada no Brasil, especialmente em transferências ilegais de dólares para o exterior. A criptomoeda mais comumente usada para esse propósito é a Tether (USDT), que representa 80% das transações cripto no país, de acordo com dados da Receita Federal. Ela também é a preferida no contrabando que abastece lojas na área da Rua 25 de Março, em São Paulo.
Mais
Bitcoin supera R$ 400 mil pela primeira vez; será que a alta vai continuar?
Expansão do Mercado Imobiliário de Luxo Impulsiona Santa Catarina e Destaca a Importância da Qualificação Profissional
A pressão da XP: empresário alega prejuízos e coação envolvendo empréstimo de alto risco